31.8.10

Rugby, 1888

A imprensa de Leeds escrevia naquela página uma notícia de desporto. A altura do ano, o mês de Novembro, atira a imaginação para uma tarde de nevoeiro com chuva, estando a meteorologia directamente ligada ao facto de a erva ser escorredia nuns lados e inexistente noutras partes, estando aí em vez dela a terra e a água e por conseguinte a lama.
As notícias davam conta aos locais de Leeds de um jogo de Rugby onde tinha havido um castigo mais grave do que os outros castigos. Um castigo máximo. Uma penalidade! A penalty, na versão corrente do inglês utilizado no texto de origem. 
Isso foi em 1888. Em 1890, o filho milionário de um obviamente milionário produtor de linho, futebolista nas horas vagas, o filho, andava preocupado com as tácticas quase homicidas dos defesas sobre os avançados nas imediações das balizas. William McCrun abeirou-se da federação de futebol irlandesa com a ideia de um tiro nos tais homicidas que cirandavam os postes. Nasceu o penalty no futebol. Morreu a injustiça, nasceram gémeos de género feminino: a polémica e a corrupção. Nasceram heróis e nasceram vilões. Ao fim de 122 anos, o strange old game (o futebol) mantém bocas abertas, espantos, sorrisos e continua a fazer correr lágrimas. A 11 metros da baliza é onde mora o impossível. Como aconteceu no último sábado. A um condenado à morte num clube de futebol só lhe faltava ter de dar a cara e as costas à defesa de um castigo máximo. Era o pior que lhe poderia acontecer.Ou talvez não. O golo morreu nos braços do condenado à morte. O couro ouviu um coração a sair do peito.
PS: o primeiro penalty da história do futebol foi marcado no Molineux, estádio do Wolverhampton.

26.8.10

A história de Genk

A história de uma imagem fala de uma fotografia a cores. O autor da imagem é anónimo, pese embora a memória vasculhada permita dizer que o autor é uma mulher. Muito provavelmente uma mulher solteira, de vinte e poucos anos, seguramente holandesa, loira com igual certeza e alta. Alta e feia, não restem dúvidas quanto a descrição tosca de um rosto  bom para ficar atrás de uma câmara. Não foi por isso que o fizemos, mas acabamos por o fazer. Entre um e outro e outro e outro copo nesta mesa, e outro, pedimos à rapariga da mesa do lado para segurar a máquina fotográfica, apontar, na nossa direcção, sendo que nós éramos três. Pedimos para levantar o indicador da mão direita e pedimos para carregar. Na imagem, por baixo dos sorrisos, havia uma carteira com cento e cinquenta euros, com cartões, com documentos de identidade, enfim, aquilo a que se convencionou designar por uma vida inteira. Num segundo, a carteira sobre a mesa da fotografia,  já não estava sobre a mesa do bar. No mesmo segundo, a desconhecida autora da imagem tinha seguido o caminho do anonimato absoluto. Ficou um português sem identificação em Tegelen, Venlo, Holanda, a  vinte e quatro horas de regressar a Portugal, sendo que no espaço desse dia tinha de dar um salto á Bèlgica por causa de um jogo de futebol. 
Abreviando foi assim: foi seguir do bar para a esquadra da polícia, da esquadra da polícia para o sala do pequeno almoço do hotel, da sala do pequeno almoço do hotel para o carro, e uma vez no carro foi seguir viagem de Tegelen para Roterdão.A distância? Cento e setenta e sete quilómetros. No porto de Roterdão, no porão de um barco ancorado onde funcionava uma loja de artigos de pesca, entre linhas, anzóis, canas, redes, gorros e impermeáveis, havia um sistema antigo de fotos à là minute e havia um secador. Saí de lá com menos nove euros, mas com mais quatro fotografias. O funcionário do consulado português tinha ficado à espera de um português, este, eu. Eu nesse dia fiiquei de repente a saber  que estava mais gordo ou era impressão minha. Saí de Roterdão com um documento verde, onde foi colada uma fotografia anafada de mim, que me permitiria voar desde Dusseldorf até ao Porto. Não sem antes porém... haver estrada e asfalto, do mal o menos, ao longo de cento e noventa e nove quilómetros, terminando a contagem no parque de estacionamento do estádio de futebol do Genk. Os jogadores subiam ao relvado para o aquecimento. Eu mandei embora o frio na barriga com dois cachorros comprados e comidos numa roullote mais limpa do que muitas casas portuguesas, cobertos por uma cebolada da cor de mármore acabado de lavar. As tais roullotes estão aqui no mesmo sítio, de novo horas antes de um Genk - FC Porto, três anos mais tarde. Poderia perder linhas a desenvolver o conceito segundo o qual há coisas que nunca mudam. É preferível não o fazer. Antes, no aeroporto do Porto, neste dia do regresso a Genk o taxista já ia embora quando reparou em qualquer coisa esquecida no banco de trás. Qualquer coisa era uma carteira. A minha. Esta chegou a Genk para contar a história.